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22/07/2016

Formas do Nu- João Cabral de Melo Neto

Imagem retirada de "Planeta sustentável"
1
A aranha passa a vida
tecendo cortinados
com o fio que fia
de seu cuspe privado.


Jamais para velar-se:
e por isso são ralos.
Para enredar os outros
é que usa os enredados.


Ela sabe evitar

que a enrede seu trabalho,
mesmo se, dela mesma,
o trama, autobiográfico.

E em muito menos tempo
que tomou em tramá-lo,
o véu que não a velou
aí deixa, abandonado.

2
Somente na metade
é aruá couraçado.
Na metade cimento,
na laje do telhado.

Porque apesar do teto
que o veste pelo alto,
o aruá existe nu,
nu de pele, esfolado.

Sua casa tem teto
mas não tem assoalho:
cai descalça no mangue,
chão também escoriado.

E o morador da casa
se mistura por baixo
com a lama já mucosa:
bicho e chão penetrados.

3
Que animais prezam o nu
quanto o burro e o cavalo
(que aliás em Pernambuco
jamais andam calçados).

A sela e a cangalha
deixam-nos sufocados
como se respirassem 
também pelos costados.

É vê-los se espojar
na escova má do pasto
quando lhes tiram o arreio
e os soltam no cercado:

se espojando, têm todos
os gestos se asfixiado:
espasmos, estertores
de asmático afogado.

4
O homem é o animal
mais vestido e calçado.
Primeiro, a pano e feltro
se isola do ar abraço.

Depois, a pedra e cal,
de paredes trajado,
se defende do abismo
horizontal do espaço.

Para evitar a terra,
calça nos pés sapatos,
nos sapatos, tapetes,
e nos tapetes, soalhos.

Calça as ruas: e como
não pode todo o mato,
para andar nele estende
passadeiras de asfalto.


(João Cabral de Melo Neto)




Comentário: Podemos notar sempre a presença de palavras que denotam vestimenta: a aranha que tece cortinados, o aruá (caramujo) que se esconde debaixo do casco, o burro e o cavalo nos quais colocam celas e o homem que usa roupas e sapatos. Outra coisa também que podemos notar, no primeiro bloco onde fala da aranha, é a relação com o escritor, até você pode reparar nas palavras "tece", "autobiográfico", elas não têm nada a ver com o contexto animal do qual fala o poema nesse bloco, são palavras um tanto deslocadas, digamos assim, e que reforçam essa relação do escritor com o leitor: o escritor é a aranha que tece e nós leitores, os enredados, que se deixam cair ou enfeitiçar pelo texto. E no segundo bloco, temos a sensação de algo mais sólido ao se citar "cimento", por exemplo, talvez faça menção até do ser humano que sempre se esconde debaixo de um teto mesmo sabendo que pertence ao chão. No terceiro bloco também percebemos palavras "fora de contexto", como "asfixiado", "asmático". No último bloco, que trata do homem, vai destacar justamente a questão da necessidade que o ser humano tem em cobrir-se, não só a ele, mas às coisas também; necessidade de cobrir sua nudez.

Bom, essa é minha interpretação do poema, mas deixo claro que existem muitas outras possibilidades de perspectivas possíveis; isso sempre depende do leitor e de sua visão de mundo e de literatura. Espero que tenham gostado. Um abração. ^^

19/07/2016

O avesso

O mundo, de dentro pra fora
desaba sobre minha cabeça.
O céu debaixo dos meus pés sem que eu possa tocar.

O avesso avexa o meu destino
fecha e abre outros caminhos
do pior para o melhor.

É melhor que seja assim:
Sofrer um pouco agora
pra depois ser mais feliz.

Acredito na bonança depois da tempestade
e na chuva que vem após o sol castigante.

Sem casa, sem teto, sem dinheiro
mas não vou perder a esperança não.
Essa de mim, ninguém pode tirar.

Edinei Lisboa, em POESIA, PROSA E CANÇÃO (2015)

Muito em breve terá resenha desse livro do qual foi tirado o poema. Aguardem ;)
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